quarta-feira, 2 de março de 2011

O amor em trânsito

Se você me pedisse conselho sobre um meio hábil de amar enquanto explode a II Guerra Mundial, lhe recomendaria um bom partido, uma prole suficente para formar um time de voleibol e estudar culinária, corte e costura. Profissão: mulher e mãe de alguém. Não mudaria muito se o Woodstock tivesse terminado ontem. Case-se mais tardar na primeira oportunidade e vá ser feliz com seu marido cansado, seu emprego fixo e seu filho cursando medicina. Casa pré-fabricada.
Porém a mulher ocidental protagonizou uma reforma no conceito de viver feliz a partir do amor livre. Aderiu à pílula anticoncepcional, ocupou assentos no mercado de trabalho e lutou pelo reconhecimento das suas habilidades extra domiciliares. Um direito mais que legítimo. Hoje, estudam, saem com amigas, se enfiam em academias, vaijam e aprenderam a gozar em paz e sem culpa. Sentiram no rosto, enfim, a brisa fresca da liberdade.
O modelo romântico experimentado por suas mães não serve, nem precisa abaixo-assinado. As mulheres sabem perfeitamente o que não querem. Cárcere, tédio, submissão e álbum em branco ou de fotos repetidas. Mas então qual o script da felicidade no novo século? Arrisca-se maturidade da autonomia, o rodízio de emoções, a segurança da desilusão, o "pague-um-leve-dois" e o narcisimo exacerbado. Mas na verdade, engatinham recém os filhos do amor pós-revolução.
No meio dessa parafernália de ofertas para os cinco sentidos e opções sexuais, circula no sangue resquícios de um troço chamado inocência. Ainda dói adotar o ceticismo e jogar pela janela. Os amores hollywoodianos estão mal digeridos e a solidão, antes distante ou prolixa, hoje é quem pede emprestada a escova de dentes, deixando nas cerdas um gosto amargo e apavorante. Resultados parciais do ensaio deste novo jeito de amar: engarrafamento amoroso, dificuldade em se doar e uma urbanização de gente ressentida.
Ficar sozinho pode não ser mais motivo de vergonha, mas ninguém tira cabalmento a razão do poeta Tom Jobim. Não é impossível ser feliz sozinho, mas é angustiante pra caramba. Estamos apegados no ideal romântico que rinha com relações mais autênticas, sem tantas concessões. Está feita a balbúrdia emocional.
O amor está sendo remodelado, repensado e reescrito, tudo sob o juízo da contradição. Em jogo: Autonomia X Fragilidade, Parceria X Individualismo, Fidelidade X Poligamia. Quem vence os embates? Estamos ainda à espera para que os devidos vencedores tomem seus lugares no pódio desta olimpíada afetiva. Ou do inventor que patenteou esse lance do amor e esqueceu de explicar como funciona.

"A manhã seguinte sempre chega"
-Gabito Nunes-